Se você é um fã empedernido do ronco dos motores, verá com decepção as declarações mais recentes de gente da indústria sobre o futuro da combustão interna. Até executivos graduados de fabricantes tradicionais admitem abertamente que o futuro é elétrico, como Mary Barra, CEO da GM, e o pessoal da Volvo, BMW, Mazda, Ford, Volkswagen... E as razões por trás disso não são apenas de ordem legal ou política, com diversos países e cidades decididos a banir os motores a combustão de suas ruas, mas também de ordem prática.
A primeira delas, mas não necessariamente a mais urgente, é uma questão de saúde pública. E não estamos falando de emissões de gás carbônico, pelas quais os automóveis são erroneamente culpados. Se todos os tipos de transporte forem somados, incluindo os aviões, eles serão responsáveis pela emissão de 23% dos gases de efeito estufa, segundo a European Environment Agency, a agência ambiental europeia. Os automóveis, portanto, terão uma participação ainda menor do que essa.
O problema deles é a concentração nas grandes cidades, onde outros poluentes, como particulados, ozônio, óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e monóxido de carbono, entre outros, se acumulam além do razoável. Quanto maior for a cidade e sua frota, pior, como mostram as cidades de mais de 30 milhões de habitantes na China. Não por acaso o país que mais pressiona pela adoção de veículos elétricos. Estamos melhor hoje do que em 1850, como mostra este brilhante artigo de José Luiz Vieira para o WebMotors, mas é possível melhorar. Sem tirar um carro sequer das ruas.
A segunda razão é o desperdício. Os melhores motores a combustão atualmente à venda têm uma eficiência energética de 40%. Para explicar isso melhor, equivale a dizer que, de cada R$ 100 que você abastece, apenas R$ 40 se transformam em movimento. Os demais R$ 60 de combustível "evaporam" em forma de calor e perdas mecânicas. Resumindo: de cada R$ 100 que gasta para abastecer, você simplesmente queimaria R$ 60. E dizemos queimaria porque o motor de seu carro certamente fica bem abaixo dos 40% de eficiência. A média varia entre 18% e 20%. Na verdade, você anda queimando mais de R$ 80 a cada R$ 100. Um motor elétrico tem eficiência média de 85%, ou seja, ele inverte a proporção. E converte muito mais energia em movimento.
Se isso não doeu o suficiente em seu bolso, pense nas pressões atuais por eficiência. Em menos uso de recursos, reciclagem de materiais, desperdício de alimentos e por aí afora. O mundo atual não gosta de gastos excessivos. A palavra de ordem é ter uma pegada cada vez mais leve no uso de recursos.
A terceira razão é economia. Veículos elétricos são muito menos complexos do que os movidos a combustão. Não precisam de água ou óleo para funcionar. Não têm muitas peças e, como dizia João do Amaral Gurgel, peça que não existe não quebra. Muitos não precisam nem mesmo de caixas de câmbio. A necessidade de manutenção é muito mais baixa, mesmo no atual nível de desenvolvimento de veículos elétricos, que ainda deixa bastante a desejar. Especialmente no que se refere à alimentação de seus motores.
Por fim, há a razão fundamental para a iminência do domínio dos elétricos: a viabilidade. Possível, em grande medida, por conta da eletrônica. Caso você não saiba, veículos elétricos foram alguns dos primeiros a serem propostos, no começo do século 19. Há relatos de um veículo elétrico em 1828 e de outros em 1834. O primeiro híbrido da história foi o Lohner-Porsche, criado em 1900. Mas não havia meios eficientes de controlar a carga das baterias, de recuperar energia, de poupá-la devidamente. Foi o surgimento da eletrônica que possibilitou a aplicação de várias ideias pioneiras. Entre elas a dos veículos elétricos, que podem ter uma infinidade de fontes de alimentação: baterias convencionais, pilhas a combustível, indução remota, baterias de fluxo e por aí afora. O desafio é estabelecer um padrão.
É diante de todas essas evidências que os fabricantes atuais estão se rendendo. E se antecipando a uma mudança de paradigma que promete não deixar nada intocado. Nem mesmo o fato de o carro ter rodas e volante como os conhecemos. Mas a maior mudança deve ser no coração dos veículos. Algo que até aqueles com mais interesse na continuidade do motor a combustão, com investimentos milionários em seu desenvolvimento e fabricação, são obrigados a admitir.
Como isso acontecerá é tema para futuras reportagens de nossa nova série, "O drama do motor a combustão". Acompanhe-a conosco aqui na KBB!