Em 2006, quando ainda trabalhava no WebMotors, escrevi uma reportagem sobre modelos inspirados no passado. O principal deles era um projeto dos designers João Paulo Cunha Melo e Felipe Guimarães Coelho, o Interlagos. Ele seria uma versão moderna do Willys Interlagos, modelo inspirado pelo Alpine A108, que foi sucedido pelo Alpine A110. Muita coisa aconteceu de 2006 para cá, mas não a reencarnação do Interlagos. Pelo menos não ainda, já que Melo é hoje o gerente do Projeto Berlineta. Que, se tudo correr como o planejado, será o esperado novo Interlagos. Fabricado no Brasil, mas sob um conceito muito interessante.
"Temos como objetivo ser uma montadora, não uma fabricante. Iremos receber dos fornecedores principais (Tier 1) os principais componentes, ou seja, carroceria, chassi tubular e powertrain, e dos fornecedores secundários (Tier 2) componentes como rodas, iluminação, policarbonato etc. Não cito os nomes pois não temos contratos de produção já fechados, mas são empresas do Rio Grande do Sul, com muitos anos de experiência e que fornecem para mercado metal mecânico e automotivo da região", diz Melo à KBB. "Como não temos objetivo de construir uma unidade fabril, ou seja, com investimento muito menor, já que usaremos fornecedores para a montagem, criaremos uma cadeia de manufatura mais enxuta, diminuindo os riscos do investidor com variações de mercado."
O modo de produzir o Berlineta é importante porque, quanto menos isso custar, mais viável o projeto se torna. "Buscamos selecionar o máximo de componentes que já existam no mercado tanto de carros de passeio como de carros de competição. O exemplo mais relevante do mercado de passeio é o uso do para-brisa do Renault Fluence, por ter uma 'relação' de o Gordini ser o sedã da época da Willys e o Interlagos ser o esportivo da linha. Com isso, temos um custo de desenvolvimento nulo para esse item além de ser de fácil reposição, durabilidade e segurança para os usuários. Quanto aos componentes para competição, utilizaremos os produzidos por fabricantes de carros de competição. A ideia é compartilhar para diminuir o gasto de projeto, além de ter disponível algo que já foi testado", diz o gerente do projeto.
O desenho mostra claramente que a inspiração veio do Interlagos. Quanto aos motores, o Berlineta pode vir com o que o comprador preferir. "Criamos um package que possa ser adequado para um motor 2.0 turbo até um V6. Ele terá motor central-traseiro e tração traseira. Não temos um 'Tier 1' para motorização. A ideia do projeto é ser flexível a ponto de ser possível comprar o carro sem powertrain. O proprietário poderá equipá-lo com o motor que desejar, como um kit car. Essa possibilidade é importante para atender o mercado externo." Para não ficar sujeito às incertezas do mercado brasileiro, o Berlineta visa principalmente a exportação e conta com a MICLA Engineering & Design, uma sócia de peso na empreitada, presente no Brasil, Alemanha e Itália. Ela será a responsável por detalhamento e refinamento de design da carroceria e dos componentes, bem como por cálculos estruturais do chassi e suspensão.
O Berlineta terá 4,13 m de comprimento, 1,87 m de largura, 1,14 m de altura e um entre-eixos de 2,50 m. Com carroceria de fibra de vidro e alguns componentes de fibra de carbono, a expectativa é que ele tenha um peso igual ou inferior a 850 kg. "Queremos oferecer um produto purista, para quem gosta de 'vestir o carro' e ir para pista. O escopo contempla um versão de performance, ou seja, só para pista, endurance, track days, rali de velocidade etc., onde o objetivo é ter o menor peso com a maior potência possível, e uma outra versão, homologada para as ruas, que terá de atender o consumidor que quer ir dirigindo para o autódromo com seu próprio carro. Este terá uma performance diferente, pois terá de usar escapamento que atenda às normas de ruído estabelecidas pelos padrões de homologação, iluminação, altura do solo maior... O projeto contempla homologação em órgãos do automobilismo internacionais e também ira oferecer ABS, por exemplo. Airbags ainda precisam ser confirmados. Em um carro com cintos de 5 ou 6 pontos, eles podem não ter uso correto, somando apenas custo e peso ao carro", diz Melo. Vale lembrar que modelos de baixa produção não estão sujeitos às mesmas exigências de carros de produção em série, como a exigência de ABS e de airbags frontais.
Este já é o segundo projeto de um esportivo nacional inspirado em modelos clássicos. O primeiro foi o do novo Puma, que voltou como um carro de corrida e agora tem seu projeto de carro de rua caminhando, o Puma GT 2.4 Lumimari. Em um mercado ainda em recuperação, mas com cada vez menos apetite para esportivos, será que haveria espaço também para o Berlineta? "Acredito que sim, desde que se ofereça um produto de qualidade e com relação custo-benefício interessante. Por isso essa etapa de trazer para o projeto um estúdio europeu, com experiência em projetos para as principais fabricantes alemãs e italianas, cria um lastro de qualidade para o projeto e, consequentemente, para o produto, que deverá atender normas e padrões para mercado europeu. Não queremos criar um produto só para existir. Tem de ter projeto robusto, 3D, análises de elementos finitos. Todo esse valor será vendido com o carro. Queremos também o mercado de exportação. Esse tipo de carro é muito bem aceito em mercados europeus. Com o real desvalorizado perante o dólar e o euro, somado ao incentivo fiscal para quem exporta, é uma boa oportunidade para um segmento que busca exclusividade, qualidade e design."
Custo, portanto, será um fator de atração para o Berlineta. "Nosso público alvo são pessoas que querem carro para pista, mas não querem modificar, por exemplo, um sedã médio. Se ele for buscar um produto com características semelhantes, com certeza serão modelos importados, com valor muito mais alto, tanto de aquisição como de manutenção. Levamos em consideração o 'total cost of ownership', ou seja, queremos que esse consumidor tenha um ótimo valor tanto de aquisição quanto de manutenção", diz Melo.
Ainda que preço seja um apelo importante do Berlineta, o gerente do projeto prefere não tocar no assunto nesta altura do desenvolvimento. "Tudo pode variar. Temos componentes que podem ser importados e ficar sujeitos ao câmbio. Tudo irá depender das negociações com os principais fornecedores. Como em todo projeto, existem mudanças durante o desenvolvimento e elas poderão alterar para mais ou para menos nossa ideia de custo e de preço final. Divulgar um número agora é um pouco arriscado."
Resta saber quando poderemos ver o mais novo esportivo brasileiro em fibra e aço. "Se tudo caminhar bem, deveremos ter o primeiro carro já bem perto do produto final no segundo semestre de 2018. Se o protótipo 01 estiver pronto e homologado em 2018, poderemos começar a atender pedidos até o final do primeiro semestre de 2019." A forma de vender o Berlineta ainda não foi definida. "Usando como referência a produção, criar parceiros estratégicos (para venda e pós-vendas) e internet poderão ser opções, além de pedidos diretos", arremata Melo.