Quando foi apresentado, em julho de 2014, o Ka foi orgulhosamente apresentado pela Ford como um projeto nacional. Do Brasil para o mundo. Vendido hoje até na Europa, o carrinho sofreu na quarta (25) um revés significativo: não ganhou nem sequer uma estrela nos testes do Latin NCAP. Entre outras coisas, porque não traz barras de proteção laterais. Só no Brasil. Na Europa, como mostra o raio-X que ilustra essa reportagem, o Ford Ka traz as benditas barras, um equipamento adotado no Brasil nos anos 1990 e que passou a ser tão corriqueiro que nem se falava mais em sua presença. A ponto de ser possível eliminá-las dos veículos sem que se note nada. Mesmo de projetos que já as previam, como o da geração atual do Ford Ka. Para piorar, o fato de o Ka também ser vendido em mercados desenvolvidos mostra a disparidade entre o Ka que os europeus podem comprar, aprovado pelo Euro NCAP, e o vendido no mercado em que ele foi concebido.
Mais do que falar sobre as diferenças, o melhor é mostrá-las. O vídeo abaixo é do teste do Euro NCAP, publicado em março deste ano:
Note que o Ka+, como ele é chamado na Europa, passou por 6 testes: impacto frontal parcial (offset), impacto frontal total, impacto lateral, impacto contra poste, whiplash (de efeito chicote nos bancos) e de atropelamento. O brasileiro, cujo teste está no vídeo abaixo, passou por apenas dois.
Nos impactos que podem ser comparados, os dois únicos que o Latin NCAP efetuou (frontal parcial e lateral), sempre à mesma velocidade e sob os mesmos parâmetros, o comportamento do Ka é substancialmente diferente. Mesmo no impacto frontal, que parece bastante similar, como se pode comparar pelos relatórios. Seja como for, é no teste lateral que a desigualdade em segurança fica mais evidente.
Enquanto o motorista europeu do Ka tem todo o corpo protegido em um impacto lateral, o brasileiro tem proteção pobre no tórax. Em outras palavras, o europeu sai andando do carro. O brasileiro, com sorte, vai para o hospital. Com azar, para o necrotério.
É importante ressaltar que não se trata apenas de um problema de falta de airbags, que o Ka+ traz de série na Europa desde sua versão básica e o Ka brasileiro não oferece nem como opcional. Repare bem na imagem acima. Ela mostra a penetração da carroceria do modelo brasileiro, alta e com abertura da porta traseira. A do modelo europeu pode ser vista na foto abaixo.
Percebeu que as portas se dobraram (pouco) em torno da coluna B? Foi essa integridade de carroceria que faltou ao modelo brasileiro no teste. E que pode afetar mais modelos da Ford construídos sobre a plataforma B.
A imagem acima é de uma folha da porta dianteira do Ka. Pode procurar: não há barras de proteção laterais em sua estrutura. Assim como a do Ford EcoSport, mostrada abaixo, também não as exibe.
Sob os parâmetros anteriores da Latin NCAP, o Ford EcoSport foi testado e ganhou 5 estrelas, tendo sido submetido a impacto lateral e aprovado pela norma UNECE95. Talvez mesmo sem as barras laterais. O novo EcoSport vem de série com 7 airbags e controle de tração de série mesmo nas versões básicas. Pois o Ford Ka de primeira geração trazia barras de proteção lateral. Assim como o Ford Fiesta Rocam, como mostra a imagem de sua folha de porta, logo abaixo.
Viu a barra de aço na parte inferior? Ela ajudava a tornar o Fiestinha mais seguro. Será que o New Fiesta a traz? Na Europa, as barras são de aço ao boro, mais resistentes e mais grossas, segundo a Ford. Ironicamente, a imagem da marca para descrevê-las diz que tornam o carro "stronger and safer". Ou "mais forte e mais seguro". Pois é.
Perguntamos à Ford, mas ainda não tivemos retorno sobre os modelos da marca que dispensaram o equipamento. Atualizaremos esta reportagem assim que recebermos as respostas.
Em resposta oficial ao teste, obtida pelo jornal "A Tribuna", a Ford disse que “o Ka está disponível no Brasil desde 1997 e cumpre integralmente com a respectiva legislação brasileira. O Ka também oferece equipamentos de série que vão além das exigências locais de segurança, como distribuição eletrônica de freios (EBD), ISOFIX (para ancoragem de bebê conforto), encosto de cabeça e cinto de segurança de três pontos no banco traseiro central e lembrete de uso do cinto de segurança para o banco do motorista”.
A resposta é muito parecida com a que foi dada pela GM por ocasião do teste do Chevrolet Onix. Diante do que essa reportagem expõe, ela dá a entender que a legislação brasileira precisa de atualização urgente. As normas UNECE95, da ONU, que a Latin NCAP pede que sejam cumpridas, datam dos anos 1990. Mas não explica por que um projeto concebido orgulhosamente no Brasil, digno de 3 estrelas em um teste muito mais rigoroso de segurança, não consegue nem mesmo uma em território nacional.