Os tempos atuais, para os fabricantes de carros, são de exigência de emissões cada vez menores. Demanda essa que inclusive ameaça a existência do motor a combustão em larga escala, como hoje o conhecemos. Não só dos consumidores, mas principalmente de leis mais restritivas. Diante desse quadro, há três elementos principais atacados pela indústria para que os carros sejam mais econômicos: aerodinâmica, peso e motorização. Quanto mais aerodinâmico e mais leve for um carro e mais eficiente seu motor for, menos o motorista do veículo em questão gastará para reabastecer. Tudo dentro da lógica da indústria de conseguir o máximo de ganho pelo menor custo possível. Você tem ideia do trabalho que dá cuidar de cada um destes pilares da economia? Ou quanto custa a empreitada? A gente te conta...
De todos os elementos, o que mais dá mais resultado é a melhoria do conjunto motor-transmissão. Segundo um estudo de Greg Pannone, da Controltec, para o CARB (California Air Resources Board, a agência ambiental californiana), se todos os motores da frota da Califórnia seguissem os padrões dos mais eficientes hoje à disposição, isso daria uma redução de 10 g de gás carbônico por milha percorrida de um total de 27 g/milha possíveis. Esse total seria atingido com mudanças em resistência à rolagem dos pneus, aerodinâmica e redução de peso. Só que os motores também são os elementos mais caros de um automóvel. Prova disso eram as famílias que, com alguns tapas tecnológicos, continuavam em produção por décadas. O motor Endura E, da Ford, usado pelo primeiro Ford Ka, era o Kent que nasceu com o Anglia em 1959. O GM Família 1, usado até hoje no Chevrolet Onix, entre outros, nasceu em 1982. "Powertrain tem um custo alto para mexer e o prazo para pagar tudo isso é longo. Leva mais tempo para amortizar", disse o professor Francisco Nigro, membro do Conselho Superior da SAE Brasil (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade).
Considerando os desenvolvimentos recentes no campo dos motores a combustão, como o de taxa de compressão variável da Infiniti, o VC-Turbo, e o ciclo SPCCI da Mazda, aplicada ao motor SKYACTIV-X, bastaria adotar todas as tecnologias disponíveis em um motor só. O problema é que a conta não fecha. "Os carros nascem de um enfileiramento de tecnologias. Elas são encadeadas de acordo com os objetivos que se quer atingir, com o público a que os veículos se destinam e com o custo-benefício de cada uma", diz Nigro. Tecnicamente, um motor pequeno poderia perfeitamente ter as tecnologias que já mencionamos mais injeção direta, turbocompressor e até sistemas de válvulas que eliminam corpo de borboletas e os comandos atuais, como o Freevalve desenvolvido pela Koenigsegg. Financeiramente, porém, ele seria inviável.
Por mais que os motores a combustão apresentem melhorias com o tempo, é muito pouco provável que eles cheguem a ser tão limpos ou eficientes quanto os elétricos já são. Por que, então, a indústria automotiva não os adota de uma vez? Por seu histórico de investimentos. "Quando eu faço um investimento, tenho de garantir que ele vai durar tempo suficiente para se pagar. Se surge algo que elimina a necessidade do que eu produzo, eu perco o investimento", explica o professor. Em outras palavras, as fabricantes de carros colocaram uma grana preta em fábricas de motores e novas tecnologias e só conseguiram torná-los mais acessíveis pela grande escala de produção. Se começassem a usar motores elétricos de uma hora para outra, o que seria destes projetos e fábricas? "Veja o caso da Toyota. Todo mundo sabe que não tem como bater a eficiência de um elétrico, mas as baterias são caras, os sistemas de controle são caros, os motores... O que ela fez? Criou um híbrido, com estilo que teria apelo junto ao público preocupado com o ambiente, para dar larga escala a muitos destes componentes. Usando o motor a combustão, ela começou a viabilizar o elétrico", diz Nigro. Esse é um comprometimento que gente que nunca havia atuado no setor, como a Tesla, ou que pretende entrar nele, como a Dyson e a HK, não têm. E que lhes dá uma vantagem competitiva importante. Não fosse esse passivo, é bem possível que a indústria automotiva já estivesse na frente na corrida pelo carro elétrico, mais eficiente e mais limpo.
Redução de massa
A segunda fonte mais importante de diminuição de emissões é a redução de massa. Segundo um estudo da VTT Technical Reseach Centre da Finlândia, um carro 10% mais leve entregaria uma economia de combustível entre 6% e 7% comparado a um parecido, mas mais pesado. É desse esforço que deriva, em boa medida, o downsizing dos motores, ou seja, ter motores menores e mais leves com o desempenho que só se extraía de motores grandes. Ou motores de 3 cilindros em vez de 4, ainda que com a mesma cilindrada. Inclua nessa conta o uso dos sistemas multiplexados, com múltiplas centrais eletrônicas, que reduziram a quantidade de fios necessários nos automóveis para comandar seus diversos equipamentos da era analógica. E também o uso de suspensões e outras peças de alumínio, magnésio e fibra de carbono. Aqui, o custo também é alto, por conta dos materiais nobres, mas o resultado também pode ser atingido com componentes repensados, como os do Edson 2, o carro ultraleve. Segundo os envolvidos no projeto, há peças que podem pesar 1/10 das convencionais sem perda de resistência ou vulnerabilidade a quebras apenas com um novo projeto.
As vantagens de um carro mais leve são muitas. Como o motor tem de fazer menos força para deslocá-lo, ele não precisa ser muito potente. E o gasto de energia (ou de combustível) no processo é menor. Um veículo com menos massa também é mais seguro, já que a estrutura tem de absorver menos energia cinética em caso de acidente. E a dinâmica tende a melhorar, com um centro de massa mais baixo, acelerações mais ágeis, frenagens em distâncias menores e uma distribuição de peso mais equilibrada entre os eixos. A BMW, com sua nova plataforma modular CLAR, aplica a tecnologia Carbon Core ao Série 7, com componentes de fibra de carbono. A Audi já teve modelos com carroceria feita inteiramente de alumínio, como o A2 e o A8. A Mazda estuda substituir todas as baterias chumbo-ácido de seus carros por unidades de íons de lítio, bem mais leves. E a Ford usa carroceria de alumínio na F-150 e fez um Fusion que pesava o mesmo que um Fiesta, o estudo Lightweight.
O problema dos materiais mais leves, novamente, é custo. "Peso é algo caro para reduzir", diz o professor. Em uma palestra recente, Nigro mostrou dados de um estudo do ICCT (International Council on Clean Transportation) segundo os quais uma redução de massa em torno de 5% acrescenta pouco mais de US$ 1.000 ao custo do veículo. Se a redução for de 10%, o custo sobe para algo perto de US$ 2.000. Se for de 20%, o acréscimo passa dos US$ 3.000. Confira na tabela abaixo ou no próprio estudo, no site do ICCT.
Como se pode ver, as tecnologias adotadas primeiro são as que adicionam menos custo ao veículo. "Pneu verde, com baixa resistência à rolagem, é uma medida de baixo investimento. Por isso você vê tantos fabricantes recorrendo a este tipo de pneu", diz Nigro. Transmissões com mais marchas também têm um efeito benéfico na redução de emissões. Daí as transmissões de 10 marchas que estão agora no Ford Mustang e no Chevrolet Camaro, por exemplo.
Menos resistência ao ar
A fronteira final da eficiência em consumo é a aerodinâmica. Mas ela traz um porém: só se faz sentir em velocidades mais altas, nas quais a resistência do ar passa a exigir um gasto de energia muito maior. O que não impede que ela seja aperfeiçoada constantemente. Quando foi lançado, em 1988, o Opel Vectra impressionou o mundo com um coeficiente aerodinâmico de 0,28. O Mercedes-Benz CLA levou esse número recentemente a 0,22. E não foi o melhor modelo da marca no quesito. O conceito Bionic Car, mostrado em 2005, chegou a 0,19. Com uma abordagem diferente: o mesmo formato de carroceria de um baiacu, como mostra o vídeo abaixo.
O baiacu se prestou a mais do que a mostrar o desenho que um carro eficiente poderia ter. Ele também serviu de inspiração para a estrutura do Bionic Car, que é mais leve e, ainda assim, mais resistente que um equivalente. Segundo a Mercedes-Benz, o conceito pesa um terço a menos do que um carro de mesmo porte. E ainda tem um desenho que, segundo a marca, praticamente elimina pontos cegos. A recepção não apenas fria, mas também sarcástica ao conceito provavelmente demoveu a fábrica de sequer tentar produzir algo parecido. "Por isso os departamentos de marketing ajudam a calcular também o peso que a emoção desempenha na compra de um veículo. Para um transportador, o que importa é o custo por km. Para um cliente comum, há muitas outras variáveis. E a emoção pesa", diz Nigro.
Considerando a proporção em que se roda na cidade e nas estradas, poderíamos ter verdadeiros tijolos sobre rodas, mas não é só a emoção que pesa na compra. A percepção geral do veículo (e da marca) também exige cuidado. "Quando desenvolvemos um carro, temos o que chamamos de ciclo cidade e ciclo estrada. O ciclo cidade, que é onde a maior parte dos clientes mais roda, tem um peso maior. Mas não podemos deixar de pensar no ciclo estrada por conta da percepção dos consumidores. Em ciclo rodoviário, as pessoas às vezes não prestam atenção ao consumo. Na estrada, são poucas as que não fazem isso", diz o professor. E, cá entre nós, ninguém gosta de um carro novo beberrão.
Para ter um modelo mais aerodinâmico, ele precisa nascer assim. Ou seja, ser projetado com isso em vista, normalmente com a ajuda de milhares de horas de túnel de vento. "Também há medidas mais simples, como grades dianteiras que se fecham para permitir menos resistência do ar quando não há necessidade de refrigeração do motor, por exemplo", diz Nigro.
Considerando a lógica na criação dos automóveis, que exige milhões de contas e ponderações, pode-se dizer que caminhamos para ter veículos mais leves, mais aerodinâmicos e com motores mais frugais. Não de uma vez, já que as tais contas das fabricantes atuais não permitem saltos em relação a isso, mas de modo paulatino (e que mantenha os acionistas felizes). Quando quiser um carro econômico, lembre-se dos 3 pilares do consumo baixo. E balize sua decisão por eles.