O tratamento de São Tomé finalmente deu resultado. Conforme comentamos ao tratar do sistema e-Power da Nissan, que pode dar origem ao elétrico mais acessível do mercado brasileiro, havia a possibilidade, aventada pela Reuters, de que o programa Rota 2030 fosse finalmente formalizado pelo governo brasileiro entre os dias 5 e 6 de julho. Depois de meses de ameaças de anúncio que nunca se cumpriram, era preciso ver para crer que a coisa toda finalmente sairia do papel. E vimos por meio do registro da assinatura pelo fotógrafo Fabio Rodrigues Pozzebom, da Agência Brasil, que registrou a assinatura da medida provisóra 843 em 5 de julho. Ela estabelece o programa automotivo para os próximos 15 anos (até 2032).
O evento de assinatura reuniu o presidente da República, Michel Temer, o da Anfavea, Antonio Megale, o da Abeifa, José Luiz Gandini, e mais uma série de políticos e executivos da indústria automotiva. E não resolve completamente a questão, já que a medida provisória, ainda que já esteja valendo, precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias, sob pena de perder seus efeitos. A assinatura obedeceu mais ao calendário eleitoral do que a um acordo final sobre incentivos. Programas do tipo só podiam ser aprovados até o dia 7 de julho. Sua aprovação posterior poderia ser vista como propaganda eleitoral. Um adiamento levaria o Rota 2030 a virar Rota 2033, se é que ele algum dia se concretizaria.
Com o programa, chamado de "MP do Setor Automotivo", o governo dará um incentivo de até R$ 1,5 bilhão por ano à indústria em troca de investimentos mínimos em pesquisa e desenvolvimento de R$ 5 bilhões. A conta será fixa: cada fabricante poderá ter abatimento de 10,2% do que investir. Em alguns casos especiais, o abatimento poderá chegar a 12%. E será feito no IRPJ e no CSLL. Foi esse incentivo que adiou tanto as discussões, uma vez que o Ministério da Fazenda, então sob a batuta de Henrique Meirelles, era contrário a abrir mão de receitas. Ainda mais com uma dívida pública que cresce a cada ano. E que só poderá ser contida com reformas, como a previdenciária, que o governo de Michel Temer não conseguiu realizar.
O nome Rota 2030 foi anunciado pela primeira vez em abril de 2017, em uma reportagem do site Motor1. E o programa deveria ter entrado em vigor logo após o término do Inovar-Auto, no final de 2017. O fato de ele só ter sido assinado no segundo semestre de 2018 mostra o nível de complicação que o Rota 2030 encontrou pela frente.
Carros elétricos e híbridos terão uma faixa de tributação de IPI diferente da atual, em que eles têm de pagar 25% de alíquota. Com a nova lei, haverá faixas de 7% a 20% de IPI, que dependerão de critérios de massa e eficiência energética, estabelecidos pelo decreto 9.442, também assinado por Temer em 5 de julho. Pagam 7% os modelos que se encaixem no código 8703.80, os elétricos puros ou, como o governo definiu no decreto 8.950, veículos "equipados unicamente com motor elétrico para propulsão", mas não só. Eles precisam ter uma eficiência energética igual ou menor a 0,66 MJ/km e massa em ordem de marcha (MOM) inferior ou igual a 1.400 kg. O Chevrolet Bolt, com seus 1.616 kg, cairia numa faixa de IPI de no mínimo 8%, reservada a carros com MOM acima de 1.400 kg até 1.700 kg. Os elétricos mais pesados do que isso pagariam 9% de IPI.
Elétricos com eficiência energética de 0,66 MJ/km a 1,35 MJ/km pagariam, nas mesmas faixas de MOM, respectivamente, 10%, 12% e 14% de IPI. Os com eficiência energética com valores acima de 1,35 MJ/km teriam de recolher 14%, 16% e 18%, respectivamente.
No caso dos híbridos comuns (código 8703.40) e dos híbridos plugin (código 8703.60), a alíquota mais baixa é 9% para veículos com eficiência de até 1,1 MJ/km e MOM inferior ou igual a 1.400 kg. Ela sobe para 10% entre 1.401 kg e 1.700 kg e para 11% acima de 1.700 kg de MOM. Se a eficiência ficar entre 1,1 MJ/km e 1,68 MJ/km, as alíquotas são, respectivamente, de 12%, 13% e 15%. Se o consumo energético é maior do que 1,68 MJ/km, as faixas sobem respectivamente para 17%, 19% e 20%. Todos os fabricantes que quiserem as alíquotas mais baixas terão de se inscrever no Programa de Etiquetagem Veicular para terem suas eficiências energéticas medidas. O modelo mais eficiente do Brasil atualmente, o Toyota Prius, tem eficiência de 1,15 MJ/km, conforme mostra nossa reportagem sobre os modelos mais econômicos do Brasil. Com exatos 1.400 kg de MOM, o Prius pagaria 12% de IPI. Isso se sua versão flex não for mais eficiente do que a movida a gasolina.
Aguarde anúncios importantes entre veículos elétricos e híbridos nos próximos meses. E torça por modelos mais seguros do que os atualmente vendidos no Brasil. Além de carros energeticamente mais eficientes, o Rota 2030 pretende também criar requisitos mínimos de segurança. Que poderiam perfeitamente evitar que os carros brasileiros fossem menos seguros do que os vendidos em países desenvolvidos, mas que, se seguirem o que foi conversado até agora, deixarão um bocado a desejar. Especialmente porque o Brasil não tem nem sequer um centro independente de crash-tests que pudesse verificar os requisitos biomecânicos mínimos de segurança viária.