No mundo automotivo, a máxima de Lavoisier cai como uma luva: "Nada se cria, tudo se transforma". Todas as tecnologias e soluções já foram propostas, do carro híbrido ao autônomo, mas o advento de novas tecnologias, como a eletrônica, permitiu que muitas delas se concretizassem. É o caso das turbinas. Aplicadas a uma série de conceitos da chamada "Era dos Jatos", como os GM Firebird e XP-500, nenhuma delas chegou a veículos de produção em série. O que mais perto chegou disso foi o Chrysler Turbine Car, o TC. Até hoje, pelo menos. No último Salão de Genebra, vimos pelo menos dois modelos com turbinas. Que deverão brevemente estar em produção, mas não do modo como foram propostas há mais de 60 anos. Em vez de impulsionar os carros, os motores a combustão energeticamente mais eficientes da atualidade servirão para carregá-los. Como geradores. Mais uma prova do drama que essa tecnologia vive.
Turbinas a gás conseguem, sem grandes esforços, uma eficiência energética pouco superior a 60%. O que equivale a dizer que, de cada R$ 100 gastos em seu abastecimento, mais de R$ 60 são convertidos em movimento. Se nunca foram usadas no lugar dos motores atuais, isso se deve ao fato de fazerem muito barulho, por girarem muito rápido, de terem respostas lentas para um automóvel e de gastarem muito combustível. É um número bem melhor do que o conseguido por motores de pistões reciprocantes, como os de ciclo Otto ou Diesel. Recentemente, a Toyota apresentou o motor Dynamic Force 2.0, que teria a assombrosa eficiência de 40%. Quando se considera que a média dos motores comuns fica em torno de 20%, chegar aos 40% é realmente impressionante. Mas não é suficiente.
A propulsão elétrica é muito mais eficiente do que a por combustão. O que a atrapalha é a questão do armazenamento de energia, com baterias ainda caras e pesadas. É por isso que muitos fabricantes preferem contar com um gerador a combustão, com baterias menores, como a Nissan fez com o sistema e-Power. Sem ter de impulsionar o carro, os motores a combustão podem funcionar sempre em sua faixa de rotação mais adequada, com baixo consumo de combustível e pouco desgaste. Só isso já os ajuda a ser mais eficientes. E é aí que entram as microturbinas: como têm porte menor do que as propostas há 60 anos, as microturbinas gastam proporcionalmente menos combustível e são mais silenciosas. Como são eficientes, convertem melhor a energia química em energia elétrica, com perdas menores que as de um motor a combustão, ainda que pequeno. Em suma, chegou a hora de vê-las nos automóveis... elétricos.
O primeiro modelo "moderno" a trazer a ideia foi o Jaguar C-X75, mostrado em 2010. Ele teria produção em série, ainda que pequena, e já seria um elétrico com turbinas para amplar a autonomia. Elas seriam produzidas pela Bladon Jets, mas aparentemente ficaram caras demais. Tanto que a Jaguar usou a crise econômica mundial, de 2008, para dizer, em 2012, que o projeto não fazia mais sentido. Perdeu a chance de oferecer a solução de modo pioneiro, algo que duas empresas chinesas pretendem realizar: a Techrules e a HK, ou Hybrid Kinetic.
No caso da Techrules, ela começou a apresentar seus conceitos em 2016. A empresa desenvolveu um sistema que ela chama de TREV (Turbine Recharging Electric Vehicle, ou veículos elétricos recarregados por turbina). A turbina, movida a gás ou a querosene de aviação, amplia a autonomia dos modelos a que for aplicada em até 1.850 km. Os elétricos da Techrules já teriam alguma autonomia apenas com a força de suas baterias de óxido de lítio-manganês (LiMn), que criam um conjunto de 20 kWh em um sistema de 760V. Comparativamente, o Nissan Leaf de primeira geração tinha um pacote de baterias de 24 kWh, que lhe conferia autonomia de 135 km. Os Techrules, mais leves, percorreriam até 150 km.
A versão de produção do supercarro da empresa, o Ren RS, foi desenhada por Fabrizio e Giorgetto Giugiaro e apresentada na edição 2018 do salão suíço. Trocou as baterias LiMn por baterias de polímeros de íons de lítio de 28,4 kWh, em um sistema de 800V, para recargas mais rápidas. Com 5,07 m de comprimento, 2,06 m de largura, 1,26 m de altura e entre-eixos de 2,72 m, o Ren RS tem peso seco de 1.854 kg e 1.305 cv. A promessa dele é de acelerar de 0 a 100 km/h em 2,5 s e de atingir a máxima de 330 km/h (limitada eletronicamente). Tudo isso com um consumo de combustível de 13,3 km/l. Como se pode notar, a Techrules optou por uma abordagem de hipercarro para atrair a atenção de potenciais clientes, mas não descuidou da eficiência. Afinal, que hipercarro hoje no mundo tem consumo acima de dois dígitos? Culpa das microturbinas, escolhidas inclusive para fazer parte do emblema da marca chinesa.
A Hybrid Kinetic, ou HK, já está mais adiantada. A empresa de Hong Kong mostrou em Genebra o HK GT, um grã-turismo elétrico que não pode ser recarregado. Apenas reabastecido. Isso porque ele também utiliza microturbinas para recarregar suas baterias. A autonomia do modelo poderia chegar a mais de 1.000 km, mas ele é apenas um dos modelos da fabricante, que já apresentou o H600, um sedã grande de luxo, o K750, um SUV grande de 7 lugares, o H500, um sedã médio, o K550 e o K350, respectivamente SUVs grande e médio de 5 lugares. Uma linha completa desenhada pela Pininfarina e que ainda não tem data de lançamento, mas que promete dar aos motores a combustão uma sobrevida: servindo de gerador aos motores elétricos. Um exemplo excelente do ditado "se não pode vencê-los, junte-se a eles".