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O longo caminho da Toyota até poder vender um híbrido flex

Protótipo mostrado em 19 de março é apenas o primeiro passo de algo que promete ser muito benéfico a quem procura economia

Em 19 de março, a Toyota apresentou um protótipo baseado no Prius que talvez não tenha chamado a devida atenção, mas que pode representar uma mudança significativa de cenário. Não só para a fabricante, pioneira entre os híbridos, mas para o etanol em si. Com a vantagem de se tornar uma das alternativas mais limpas do mundo de transporte. Isso porque o etanol não agrava o efeito estufa, por apenas devolver à atmosfera o gás carbônico que a cana-de-açúcar tirou dela para crescer, e porque muitos países usam carvão ou combustíveis fósseis para gerar energia elétrica. Mas ainda há muito chão a percorrer, literalmente, antes que o híbrido flex seja uma alternativa real, que possa ser comprada em uma concessionária.

"O protótipo que foi para Brasília, e que eu dirigi, tem cerca de 4.500 km. Temos outro que é um pouco mais rodado do que isso, mas ainda estamos no começo do desenvolvimento", disse Edson Orikassa, gerente de engenharia de produto da Toyota e presidente da AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva). "Isso faz com que não tenhamos ainda dados de consumo, por exemplo. Estamos com a calibragem do sistema em ajuste. Em outras palavras, adotamos alguns parâmetros, testamos e o mudamos para outro que talvez seja melhor dali a algum tempo. O que posso te dizer é que temos a meta de ter um consumo igual ao que temos hoje com o modelo a gasolina."

O desenvolvimento de um híbrido flex, para a Toyota, atende a uma série de questões estratégicas. A primeira delas é interna: o Desafio Ambiental 2050, ou Environmental Challenge 2050, no qual a empresa se propõe a cumprir 6 desafios, entre eles o de reduzir as emissões de CO2 de seus carros em 90% até 2050. Um híbrido flex ajudaria um bocado na missão. As demais são as políticas industriais brasileiras para os automóveis. "Começamos a pensar em um híbrido flex em 2015. Com o Inovar-Auto e o Rota 2030, o governo também promove a inovação tecnológica. O protótipo veio na esteira destes programas. A capacidade do governo de estimular tecnologia é importante", diz Orikassa. E que tecnologia melhor do que a dos híbridos a Toyota poderia pensar em desenvolver por aqui? Pois é.

Protótipo do Toyota Prius flex

Segundo dados do Conpet Veicular, o Prius atual é capaz de fazer 18,9 km/l na cidade e 17 km/l na estrada com gasolina. O consumo maior na estrada do que na cidade é um fenômeno típico dos modelos híbridos, que conseguem usar o motor elétrico com mais frequência em percurso urbano. E podem, em alguns casos, até se deslocar apenas com a força das baterias em alguns trechos. Em rodovias, o motor a combustão fica acionado o tempo todo e o elétrico apenas o auxilia em momentos de maior consumo, como acelerações e frenagens. Já imaginou ter um carro a álcool capaz de fazer 18,9 km/l?

As dificuldades

Qualquer carro flex comum, rodando com etanol, teria grandes dificuldades em igualar o consumo proporcionado pela gasolina. Por uma razão muito simples: o derivado de petróleo tem maior poder calorífico que o etanol. Enquanto nossa gasolina tem 8,325 Kcal/l, o etanol hidratado tem 5,380 Kcal/l, segundo o site Novacana.com. Em outras palavras, apenas 65% da energia. Para a mesma quantidade de combustível, no mesmo tanque, uma proporção menor de força, algo que já mostramos por aqui que não necessariamente permite a famosa conta dos 70%. Isso porque há motores flex que privilegiam o uso de gasolina e outros que focam no etanol.

Diante disso, como o híbrido flex da Toyota conseguiria chegar, com etanol, a um consumo pelo menos parecido com o de gasolina? Primeiramente, com o motor elétrico e a bateria que o definem como um híbrido, mas também com elementos que a Toyota ainda não detalha e que fazem toda a diferença: seu conhecimento de etanol, o motor Dynamic Force e o ciclo Atkinson.

Ciclo Atkinson

No que se refere à atuação do motor elétrico e de suas baterias, ela poderia ser essencial na solução de dois do maiores entraves ao desenvolvimento de um híbrido flex: a chamada fase fria, que exige aquecimento do etanol para que o motor pegue sem um tanque auxiliar, e trajetos curtos, que impedem o motor de chegar a sua temperatura ideal de funcionamento. No primeiro caso, um motor a combustão híbrido economiza porque é ligado e desligado diversas vezes em um percurso, especialmente urbano. Nas duas situações, a tendência é que a queima do etanol não seja a mais eficiente, o que faz com que ele escorra pelos cilindros e possa contaminar o óleo lubrificante. Apontados por reportagem da revista Quatro Rodas, esses problemas podem ser abordados de várias formas. Entre elas o desenvolvimento de um lubrificante que suporte essas condições e o uso de baterias mais fortes, que permita aquecer o etanol seguidas vezes.

Outra opção seria um pacote de baterias de maior capacidade, que permitisse rodar por mais tempo só com eletricidade, acionando o motor a combustão apenas em trajetos mais longos. Ou um gerenciamento térmico que garantisse que o motor atinge sua temperatura ideal de funcionamento mais rapidamente. Ou ainda um modo de operação que demorasse mais a carregar as baterias, mas essas são soluções que provavelmente esbarrariam em custo. "Estamos avaliando todas as possibilidades. Como o etanol é uma realidade no Brasil, e existe a chance de ser adotado também no resto da América Latina, o desenvolvimento de um híbrido flex poderia atender toda uma região. Para que a tecnologia híbrida decole no Brasil, ela tem de ter a tecnologia flex", diz Orikassa.

O conhecimento dos flex se evidencia pelo fato de a Toyota desenvolver excelentes motores do tipo, com boa potência específica e mais potentes com etanol. Que aproveitam bem a maior resistência à detonação do combustível vegetal. Seu 4-cilindros 2.0, por exemplo, tem taxa de compressão de 12:1, o que já denuncia uma atenção maior ao combustível vegetal. Mesmo assim, os motores flex da marca mantêm uma média de eficiência de 69% com etanol comparado com o uso da gasolina. Não seria nada difícil, para a Toyota, adotar uma taxa de compressão mais agressiva para aumentar a eficiência do motor com etanol.

A marca não revela seus planos, mas é muito provável que os protótipos em testes no Brasil já utilizem a família de motores Dynamic Force, com eficiência energética na casa dos 40%. Ela usa um sistema de injeção direta que funciona em parceria com a injeção indireta. Em cargas baixas e médias, os dois atuam juntos para melhorar a taxa de admissão de ar e combustível. Em cargas altas, só a injeção direta é utilizada, o que aumenta a compressão e a velocidade de admissão. A taxa de compressão também é mais alta, como convém a um motor a etanol. E o gerenciamento térmico é de última linha, o que deve ajudar em partidas a frio e a aquecer o motor em percursos curtos. Exatamente os problemas que o híbrido flex tem de mais graves. Não é extraordinário como as coisas se encaixam?

Por fim, o ciclo Atkinson faz com que o curso de compressão do combustível seja mais curto do que o de expansão do pistão. Isso é feito por meio do controle das válvulas. As de admissão ficam abertas por mais tempo, o que devolve parte da mistura ar-combustível ao coletor de admissão enquanto o pistão sobe. E minimiza as chamadas perdas por bombeamento. Em outras palavras, torna o motor mais eficiente. Motores comuns, de ciclo meramente Otto, têm exatamente o mesmo curso nesses dois "tempos", o que faz o motor se esforçar mais para comprimir a mistura. Vale ressaltar que o do protótipo híbrido flex da Toyota é o primeiro a etanol com ciclo Atkinson em tempo integral.

Outro fator que contribui para o desenvolvimento do híbrido flex é que o novo motor Dynamic Force virá com o THS II, a segunda geração do sistema híbrido da Toyota. Ele tem uma série de aperfeiçoamentos, como uma PCU (Power Control Unit, ou unidade de controle de potência) mais compacta e eficiente e um alternoarranque também menor e de alta eficiência, com um sistema de transmissão auxiliar próprio. A economia de espaço permite que o raio de esterço dos carros seja maior, o que os torna mais fáceis de manobrar. O pacote de baterias, também menor e mais leve, consegue ter o mesmo poder do anterior, com mais células (180 contra 168). O novo THS II interrompe todos os sistemas quando o carro fica imóvel, o que gasta menos energia. Também tem um sistema mais eficiente de regeneração de frenagens. A Toyota também promete acelerações mais fortes e lineares. 

Ainda que o protótipo do futuro híbrido flex esteja em uma carroceria de Prius, o mais provável é que ele apareça no Corolla de nova geração. Tanto o Prius quanto o futuro Corolla usam a plataforma TNGA. E o motor Dynamic Force e o THS II já foram mostrados no novo Toyota Auris, também chamado de Corolla iM nos EUA. A razão para isso é simples: a Toyota quer popularizar os híbridos no Brasil. Que forma melhor há de fazer isso do que oferecer a tecnologia no Corolla, um dos campeões de vendas da marca? Fora que ele já tem uma versão, a Altis, que é vendida a valor próximo do Prius. Nada mais lógico do que ele também oferecer uma versão híbrida. E flexível em combustível.

Em tese, poderíamos já ter um híbrido flex no lançamento da nova geração do Corolla, previsto para 2019, mas tudo depende do ritmo que a marca conseguirá imprimir ao desenvolvimento da tecnologia. Depende também da confirmação do Rota 2030 e de seus estímulos a pesquisa e desenvolvimento. O programa estaria com anúncio oficial marcado para o dia 12 de abril, já com os presidentes das fabricantes convidados para uma cerimônia no Palácio do Planalto, segundo o colunista Fernando Calmon. É uma pena que, nessa altura, ainda não possamos dizer tudo que um híbrido movido a etanol poderia oferecer aos clientes brasileiros, mas pelo menos duas promessas devem ser cumpridas: correção ambiental, com um carro limpíssimo em emissões, e a maior economia de combustível que um modelo a etanol já foi capaz de oferecer.

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