Os tempos do papel chegaram mesmo ao fim, mas não os da confusão, cada vez mais presente no Brasil. Depois de uma série de controvérsias sobre o RG, chegou agora a vez da CNH se transformar em um cartão inteligente, feito de policarbonato e com um chip que armazena dados biométricos de seu titular. De acordo com o Ministério das Cidades, todos os Detrans do Brasil deverão estar prontos a emitir o novo documento a partir de 1º de janeiro de 2019. Isso sem falar na CNH-e, que começou a ser implantada em Goiás. Seria um belo sinal de avanço não fosse um pequeno detalhe: o DNI (Documento Nacional de Identidade).
Já fazia tempo que o RG se mostrava uma ferramenta falha de identificação, sujeita a todo tipo de fraude, especialmente depois de o jornalista Reynaldo Turollo Jr. tirar 9 RGs diferentes em 2013. E o governo já sabia disso muito antes deste tipo de comprovação, considerando que o RIC (Registro de Identidade Civil) nasceu em 1997, com a lei 9.454. Por sorte, a intenção de chamá-lo de Cadastro Único, o que lhe daria um acrônimo inglório (para não dizer obsceno), não prosperou. O cadastro reuniria informações biométricas e, teoricamente, impediria a duplicidade de identidades.
Só que o RIC mudou de nome. Virou RCN em 28 de maio de 2015, quando um projeto do TSE, encampado pela então presidente Dilma Roussef, foi enviado ao Congresso Nacional. Era, então, chamado de PL 1775/15. Na Câmara, ele se tornou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 19/2017. Foi ele que determinou que dados do "Registro Geral (RG), Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e o Título de Eleitor fossem concentrados em um Documento Nacional de Identidade (DNI)", como o TSE explicou em seu site. Ali também se fala na lei 13.444/2017, sancionada por Michel Temer em 11 de maio deste ano. Ela criou definitivamente a ICN (Identificação Civil Nacional) e o novo RG, o DNI. Ele interfere inclusive com a emissão de documentos de entidades de classe, como OAB e CREA, que já usam cartões inteligentes. De agora em diante, eles só poderão ser emitidos se seguirem os parâmetros estabelecidos pela ICN.
Mas aí vêm as perguntas: se o DNI substituirá todos os documentos, inclusive a CNH, para que ter uma nova CNH, com cartão inteligente? Será que a nova CNH poderá ser um formato diferente do DNI, como serão as carteiras de entidades de classe? E o DNI, tem todas as funções que a nova CNH pode ter, como pagamento de pedágio, de transporte público etc.? Faremos todas elas ao Ministério das Cidades, ao TSE e a quem mais puder nos esclarecer sobre essas questões. Quem sabe alguma das respostas não consegue apagar a forte impressão de que órgãos do governo simplesmente não se conversam? Ou de que desconhecem o que cada um está fazendo?