Em maio de 2017, recebemos com surpresa a informação de que o carro mais vendido do Brasil, o Chevrolet Onix, tinha sido reprovado pelo Latin NCAP. Ele não conseguiu nenhuma das 5 estrelas concedidas pelo instituto em seus testes. A notícia foi aparentemente recebida com desdém tanto por consumidores, que continuaram a comprar o carro como se nada tivesse acontecido, quanto pela fabricante, que se limitou a dizer que cumpria a legislação brasileira. Algo que falava tanto sobre o pouco-caso do governo brasileiro em relação à segurança viária quanto sobre a matriz de decisão de muitas fabricantes. Depois da Chevrolet, a Ford também tomou uma nota zero, com o Ford Ka. Em entrevista à KBB, Nahuel Osanai, engenheiro-chefe dos modelos B da Ford, disse que "o Ka passou por um processo de tropicalização e traz um pacote ideal para o mercado brasileiro, sob pena de não ser competitivo". Parecia que isso seria assim até que viesse uma nova geração destes carros, mas os resultados mais recentes da entidade revelaram que a GM não só efetuou correções como também patrocinou novos testes. Que concederam 3 estrelas ao Chevrolet. Algo louvável, mas que também deixa uma pergunta no ar: por que só agora?
Segundo o Latin NCAP, as mudanças estruturais valem para os Onix e Prisma produzidos a partir de 15 de janeiro. Mais especificamente, a partir do chassi 9BGKS48U0JG313644. Curioso é que apenas o Onix aparece nos testes. O Prisma não foi avaliado.
As mudanças estruturais incluíram reforços contra impactos laterais e adição de elementos de absorção de energia nas portas. Também houve troca do cinto de segurança do motorista e adoção de ancoragens Isofix nos bancos traseiros como itens de série. Foi o suficiente para o modelo obter 3 estrelas, ainda que tenha oferecido proteção fraca para o peito do adulto em impactos frontal e lateral. O que é estranho é o intervalo muito curto entre a produção do carro, o teste, feito na Alemanha, e a divulgação dos resultados. Foi tudo feito em apenas 8 dias, ou seja, entre 15 e 23 de janeiro.
De acordo com o que os técnicos do Latin NCAP nos disseram uma vez, a diferença entre um teste patrocinado e um independente é que, em vez de simplesmente comprar o veículo em qualquer concessionária, a entidade recebe o dinheiro para efetuar a compra onde achar mais conveniente. Isso garantiria que o automóvel não fosse preparado pela fabricante para que apresentasse o resultado desejado. Com uma escolha aleatória, haveria uma garantia de que a unidade testada é exatamente igual a qualquer outra que um cliente pudesse adquirir. Só que os recentes testes de Polo, Virtus e Onix mostram que a coisa não é exatamente assim. Nenhum dos VW estava disponível nas revendas quando eles foram testados. Assim como o Onix com as modificações estruturais, com o agravante de que ele só entrou em produção 8 dias antes de os resultados serem divulgados, enquanto Polo e Virtus já estavam em produção havia muito mais dias para abastecimento das concessionárias.
Saber como esses carros foram obtidos é essencial para que não se levante suspeitas sobre os resultados apresentados. Em todos os casos. Já questionamos o Latin NCAP sobre estes pontos. Leia aqui a explicação para todos os nossos questionamentos.
O esclarecimento sobre essas dúvidas é necessário não só para afastar suspeitas sobre o procedimento, que muitos detratores da entidade chamam de "se pagou, passou", mas também para que o consumidor tenha a certeza de que o carro que ele pode comprar é realmente capaz de obter a mesma pontuação. Algo que, não fosse a demora do Inmetro em ou criar um centro de testes brasileiro ou em deixar que o Instituto Mauá crie o seu, poderíamos responder por meio de outras fontes que não o Latin NCAP. E que, diante da falta de opções, resta apenas a essa entidade informar.
Não fossem os testes do Latin NCAP, ainda não saberíamos que nem o Onix nem o Ford Ka atendem às normas ECE das Nações Unidas sobre segurança viária, criadas nos anos 1990. A desculpa das fabricantes era que elas atendiam à legislação brasileira sobre o assunto. Uma legislação tão falha e incompleta que recebeu só recentemente uma resolução sobre impactos laterais, a 721/18 do Contran. Que exigirá critérios biomecânicos de proteção lateral para carros vendidos no Brasil apenas em 1º de janeiro de 2020. Critérios estes que já são exigidos na Europa há mais de 20 anos.
Considerando a rapidez da correção (menos de um ano) e o fato de que há carros muito mais seguros do que o Onix feitos sobre a mesma plataforma, como o Sonic, só nos resta concluir que ele era vendido como estava, sujeito a nota 0 em crash tests, por uma questão de vontade. Os Onix anteriores a 15 de janeiro de 2018 eram certamente mais baratos de produzir, com margens de lucro mais altas. E seriam como mostra o vídeo abaixo, do teste nota 0 do modelo, até a chegada de uma nova geração. Eventualmente tão insegura quanto a anterior não fossem os testes e, mais recentemente, as novas exigências legais.
Vale comemorar a mudança? Certamente, mas sem esquecer que todos os Onix produzidos até 15 de janeiro de 2018 seriam reprovados para venda em países mais exigentes. Que compradores destes países, sabendo da nota do modelo, provavelmente se recusariam até a andar de carona em um deles. E que vale ficar atento à data de fabricação do Onix que você quer comprar. Se ele vier sem Isofix, ainda que seja novo, provavelmente foi feito antes de 15 de janeiro. Saiba esperar.
Aguardemos quanto tempo a Ford levará para corrigir o Ford Ka, devolvendo a ele as barras de proteção lateral que ele carrega na Europa. E os Peugeot 208 e 2008. E os Citroën C3 e AirCross, todos eles também sem as barras de proteção lateral com os quais foram projetados. Mais do que isso, celebremos os consumidores que, cientes daquilo que podem comprar, optam por modelos melhores e mais seguros. É isso, mais do que leis ou a "boa vontade" dos fabricantes, que permitirá termos produtos mais confiáveis à disposição.