Na reportagem "Por que Sem Carro", vencedora do 7º Prêmio SAE de Jornalismo, tratei de diversas soluções de transporte que usam o carro como elemento central. Uma delas, a Zazcar, permitia que você só pegasse um veículo quando precisasse, usasse-o à vontade e o devolvesse quando já não precisasse mais dele. O grande inconveniente do serviço, que funciona até hoje, é ter de achar um ponto em que o carro esteja disponível. E devolvê-lo exatamente no mesmo lugar em que você o pegou. Isso deixa o usuário preso, de certo modo. Sem a conveniência de poder ir para casa, por exemplo. Eis algo que o serviço Vai.Car, lançado em 30 de novembro na cidade de São Paulo, oferece.
O que o serviço de aluguel de carros propõe é basicamente conveniência. Basta se cadastrar no site app.vai.car e dizer onde você vai precisar do carro, informando também a hora em que vai precisar dele. E quando e onde não precisará mais dele, para que o carro possa ser retirado. Em outras palavras, você não precisa se preocupar nem em buscar nem em devolver. Ou em devolver o carro com tanque cheio. Ou com quilometragem. Mas aí surgem também os poréns.
O primeiro deles é que o período mínimo de locação é de um mês. Não há contratos para períodos menores, como uma semana. Pelo menos a empresa oferece, neste primeiro momento, uma tarifa promocional de R$ 999 para o primeiro mês. Nos meses seguintes, a tarifa seria de R$ 1.599, segundo a Vai.Car. Mas, para avaliarmos como o serviço funciona, entramos no site e fizemos todo o processo para conseguir alugar o carro. E a tarifa exibida por lá foi sutilmente maior: R$ 1.643.
Outra questão é que, pelo menos neste primeiro momento, de versão beta do serviço, o único modelo oferecido para locação é o VW Voyage. Ou modelo similar, provavelmente outros sedãs compactos. Na imagem do aplicativo que se vê no site, há muito mais opções de modelos, que serão oferecidos quando o aplicativo estiver disponível para download. Pelo menos é o que promete a companhia ao dizer que "o motorista poderá escolher o modelo do carro" e "período da locação". E também que, "após a aprovação do cadastro, em algumas horas o automóvel selecionado é entregue na casa do usuário". Tudo para atender a quem "já percebeu que ter um carro próprio numa cidade como São Paulo é coisa do passado".
Outro serviço que não contempla a posse do carro, apenas sua utilização, é o Porto Seguro Carro Fácil. Oferecido desde dezembro de 2016, ele cobra uma mensalidade para utilização do automóvel. Trata-se de uma espécie de leasing, mas sem a possibilidade de compra no final. A parte interessante é que o site do serviço não vai direto aos termos da contratação, mas sim a uma simulação que mostra quanto o interessado gastaria adquirindo o veículo e quanto gasta com o Carro Fácil. E os cálculos são muito convincentes.
Contratando o Carro Fácil, o interessado em um HB20 1.6 de R$ 56.200 gastaria, em dois anos, R$ 42.000. Se comprasse o carro, financiado nos mesmos dois anos, a dolorosa seria de R$ 69.590,73 só com a compra. Sem contar seguro, manutenção, documentação e IPVA, serviços incluídos na prestação do Carro Fácil, mas que somariam mais R$ 15.055,20 à conta. E a despesa mínima seria de R$ 84.645,93. Mínima porque a grana da entrada, R$ 11.240, ainda poderia ter sido aplicada em um rendimento bem conservador (poupança, por exemplo). E rendido R$ 1.429,28. Como o rendimento não veio, ele vira prejuízo, fazendo o gasto chegar a R$ 86.075,21.
Vendendo o HB20 só com a depreciação média, o proprietário recuperaria R$ 36.304,20, segundo a Porto Seguro. Mas a realidade mostra que poderia ser bem menos. O Preço KBB™ de um HB20 1.6 Comfort Plus 2015 fica em R$ 32.491 para venda a revendedor. Se o dono tiver paciência para vender a um particular, recupera R$ 40.667. Mesmo no melhor cenário, o prejuízo seria de R$ 45.408,21. Mais do que se gastaria com as prestações do Carro Fácil. Divida esse prejuízo por 24 vezes e você estaria pagando uma prestação de R$ 1.892. Fundo perdido por fundo perdido, o do Carro Fácil é menor, com parcelas de R$ 1.750.
Mais de quatro anos depois, ainda dizemos que não é preciso ficar sem carro para tornar o mundo um lugar melhor e o transporte mais racional. Mas definitivamente você não precisa ser dono de um para usufruir tudo que ele tem a oferecer.