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Projeto Kadjar, da Renault, mostra diferença de tratamento entre mercados

Plataformas "High Spec." se destinam à Europa, enquanto as "Access Spec." são para países em desenvolvimento. Como o nosso

A apresentação da Renault data de outubro do ano passado. E foi comentada pelo pessoal do site argentino CarsDrive por trazer a informação de um novo crossover médio, do chamado segmento C. Nesta terça (20), o pessoal do Argentina Autoblog, baseado em uma nota do Indian Autos Blog, trouxe a história de volta à tona com um pouco mais de luz. O novo veículo da Renault deverá ser o Kadjar, mas com uma plataforma diferente da usada pelo europeu, construído sobre a modular CMF-C/D. O Indian Autos Blog crava que ela será a B0/M0 usada atualmente por Sandero, Logan, Duster e Captur. O Argentina Autoblog, por sua vez, afirma que ele deve ser fabricado no Brasil em 2019, apesar de a plataforma estar presente também na fábrica argentina da Renault, em Santa Isabel. Inclusive com o novo Renault Kangoo, baseado no Dacia Dokker, que deve ser lançado em março na Argentina (e provavelmente também no Brasil). Mais do que o novo crossover, que concorrerá com Jeep Compass e com o futuro VW Tharu, o que nos chama a atenção na história são os termos usados pela Renault ao tratar de sua estratégia de produtos diferentes para mercados diversos. Um eufemismo para dizer que ficamos com produtos piores que os vendidos na Europa.

Já tratamos do assunto com relação ao Ford Ka e seu oceano de diferenças quanto ao mesmíssimo carro na Europa, mas a coisa aqui é levemente diferente. E talvez pior, já que os veículos usam "as mesmas peles com especificações diferentes", como a própria marca descreve o Captur da Europa e o vendido em mercados emergentes na imagem acima. Note a distinção que a própria empresa faz entre os dois modelos, chamando-os de High Spec. (especificação de topo) e Access Spec. (especificação de acesso). Novos eufemismos, que a empresa não teve o cuidado de repetir na imagem abaixo, na qual ela detalha o uso das plataformas CMF (Common Module Family) até 2022.

Projeto Kadjar, da Renault

A plataforma CMF-B, que estreará com a segunda geração do Nissan Juke, tem duas divisões: LS e HS, respectivamente "low specifications" (especificações baixas) e "high specifications" (especificações altas). Algo que passa a impressão de mais e menos exigências de qualidade. Pelo quadro acima, também se pode ver que a plataforma CMF-B deve chegar apenas em 2019, ainda que houvesse expectativa do novo Juke para este ano.

Por que, então, a Renault usará uma plataforma compacta para criar um modelo médio? A informação do IAB é confirmada pela própria Renault na imagem abaixo, extraída da mesma apresentação do ano passado: o novo crossover terá a mesma plataforma de Duster e Captur.

Projeto Kadjar, da Renault

Para quem não fala inglês, a parte que nos interessa é a que fala na "família Duster". E ela descreve o seguinte: "renovação do Duster e novo modelo C". A renovação é a segunda geração do Duster, que estreou na Europa em novembro do ano passado. O modelo C é o crossover maior previsto não só para o mercado brasileiro, mas também para o russo, o chinês e o coreano. Algo estranho, já que o mercado chinês, o maior do mundo, é tratado como prioridade pela maioria dos fabricantes. E costuma receber o que cada fabricante tem de melhor. No caso da Renault, a plataforma modular CMF-C/D que o Kadjar usa na Europa.

Projeto Kadjar, da Renault

Quando se fala do Captur, a adaptação à plataforma B0 do Duster até que fazia sentido. Afinal, o Captur europeu é pequeno para o mercado brasileiro. Pelo porte, teria de ser o modelo mais barato de seu segmento, mais do que o Duster, algo que seria ilógico considerando sua aparência mais moderna e vistosa. Mas, quando falamos em um crossover médio, o único ganho que essa estratégia apresenta é do ponto de vista financeiro. E para a fabricante, sob ressalvas.

VW MQB

Como o Kadjar já é feito na Europa com a plataforma CMF-C/D, e o objetivo de plataformas modulares é ganho de escala, vale perguntar por que a Renault não a traz para o Mercosul. A Volkswagen já faz isso não apenas com o Golf, produzido em São José dos Pinhais, no Paraná, com a plataforma MQB, mas também com Polo e Virtus, ambos fabricados com uma variação da mesmíssima plataforma, a MBQ A0. Se as arquiteturas modulares da Renault são apenas para a Europa, qual é o sentido de elas serem modulares e não comuns? A ideia não é usá-las no mundo todo para ganhar em volume, como a Volkswagen faz com a MQB?

VW MQB A0 do Polo e do Virtus

Tudo fica um pouco mais difícil de entender quando se analisa o preço do Kadjar na Europa. Na França, com motor TCe 130 e na versão de entrada, a Life, o Kadjar é vendido por € 24.800. Coisa de R$ 99.200 com o euro a R$ 4. Isso com controle de estabilidade e tração, 6 airbags, monitoramento de pressão dos pneus, Isofix, alerta de uso de cinto, controlador e limitador de velocidade, volante em couro, rádio com MP3 e Bluetooth, faróis de neblina, ar-condicionado e trio elétrico. Com esse nível de equipamentos, seus concorrentes brasileiros passam dos R$ 110 mil. O mais caro, o Intens Energy dCi 130 4x4, sai por € 35.100, ou R$ 140.400. Nem vamos falar do nível de equipamentos. Os impostos no Brasil são mais altos que na Europa? Sem dúvida, mas o poder aquisitivo, por lá, também é. Mesmo assim, há crossovers médios no Brasil vendidos na faixa de R$ 100 mil. Se os concorrentes conseguem vender a esse preço, por que a Renault não conseguiria? Bastaria seguir a receita deles, empobrecendo o veículo, como a Ford fez recentemente com o EcoSport.

Renault Kadjar

Para piorar, o uso da plataforma M0, uma evolução da B0, é algo que colocará o crossover médio em maus lençóis desde o princípio. Não só pelo naipe de seus concorrentes, entre os quais o mais acessível é o Jeep Compass, mas também porque todos os demais modelos usam plataformas médias. O Hyundai Creta, crossover compacto que anda vendendo à beça no mercado brasileiro, usa a plataforma do Elantra, ou seja, uma plataforma média, o que lhe dá um refinamento no rodar superior ao que os concorrentes oferecem. A única exceção seria o próprio Compass, construído sobre a SUSW, mas essa plataforma é específica para SUVs, coisa que a B0/M0 não pode alegar a seu favor.

Projeto Kadjar, da Renault

Mesmo que fizesse sentido, no caso do Captur, a estratégia não se mostrou das mais bem-sucedidas em nosso mercado. O Captur chegou mais caro do que deveria e, mesmo com o câmbio CVT, peca por ser mais pesado do que o Nissan Kicks, por exemplo, que compartilha com ele o trem de força. O Kadjar, ou seja lá o nome que a Renault escolha para batizar seu crossover médio por aqui, certamente será ainda mais caro, com preços acima dos R$ 100 mil. Como se sentirá o comprador deste modelo sabendo que o que ele tem é um Duster com "máxima adaptação à demanda local por meio de centros de design e engenharia locais", como diz a imagem acima? Será que esse crossover médio oferecerá um nível de segurança pelo menos parecido com o do Kadjar europeu, mesmo com as "Access Spec."? Ficam as perguntas, um ano antes do surgimento deste novo modelo. E a certeza de que ele merecia usar a plataforma modular da marca, não a B0 esticada. Em todos os mercados da Renault no mundo, não apenas no europeu.

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