Sabe aquele pacote de bolachas que parece que acaba mais rápido? Ou o rolo de papel higiênico que durava uma semana e agora some em 4 dias? O fenômeno se tornou mais frequente de uns tempos para cá, quando diversos fabricantes resolveram diminuir os conteúdos de suas embalagens, mas continuar a vender os produtos pelo mesmo valor. Entre as diversas desculpas esfarrapadas para a prática, a mais frequente era que o recurso ajudava a não subir os preços. Saiba você ou não, isso também é prática corrente da indústria automobilística. Com itens de segurança, em sua grande maioria. A supressão destes equipamentos, de verificação difícil, é estimulada pela falta de um centro de crash-test nacional e de uma legislação de segurança eficiente. Programas como o Latin NCAP ajudam a evidenciá-la, mas isso não é suficiente se que o consumidor não reagir devidamente ao "pacote mais magro". Confira abaixo tudo que é tirado dos carros de países em desenvolvimento para que eles custem menos. Ou para que deem lucros mais gordos.
Pontos de solda
Quando o Latin NCAP começou a atuar no Brasil, testou o Fiat Palio e o Peugeot 207. E ambos foram reprovados. Levaram apenas 1 das 5 estrelas possíveis em proteção aos ocupantes adultos. O Palio, feito apenas no Brasil e em outros países emergentes, não permitia comparação com nada vendido na Europa, mas o 207, sim. Não pelo nome, já que o 207 nacional era um 206 reestilizado, mas exatamente por isso. Em entrevista à revista Quatro Rodas em 2013, Alejandro Furas, secretário-
Isofix
Diversos modelos cujos projetos vieram da Europa, como o do Peugeot 208 ou o do Ford Focus de segunda geração, foram nacionalizados sem este importante item para a segurança infantil. Os ganchos Isofix permitem uma instalação mais rápida e adequada das cadeirinhas infantis. Há também os casos de modelos com plataformas que previam o item, como a GSV dos Chevrolet Onix, Prisma, Cobalt e Spin, mas que só receberam os tais ganchos muito recentemente. E não em todas as versões... Questionadas sobre isso, as fabricantes diziam que não ofereciam Isofix porque não havia cadeirinhas à venda no Brasil criadas para o sistema. Falha do Inmetro, que demorou a regulamentar o equipamento. E também de quem carrega as crianças soltas no carro, infelizmente a maioria mesmo depois da lei da cadeirinha. Lei sem fiscalização, no Brasil, vira letra morta.
Suspensão multilink
Os exemplos mais recentes de modelos que traziam suspensões traseiras multilink e deixaram de oferecê-las em suas versões nacionais são o VW Golf e o Audi A3, mas já houve outros. A desculpa usada para adotar eixo de torção em vez da suspensão independente é que o eixo é "mais adequado à realidade brasileira". Mesmo que versões mais caras dos mesmos carros usem a solução mais sofisticada... A verdade, provavelmente dura demais de admitir, é que não tem porque custa mais, ainda que os modelos não tenham tido redução de preço com a nacionalização. E a eliminação da multilink.
Barras de proteção laterais
Item que era mote de propaganda nos anos 1990, as barras de proteção laterais ficam tão bem escondidas que algumas fabricantes acharam por bem simplesmente eliminá-las de seus veículos. Além da Ford com o Ka, o caso mais escandaloso dos tempos recentes, por render ao modelo nota 0 no Latin NCAP, a PSA também tirou as barras de todos os seus modelos de entrada (Peugeot 208, Peugeot 2008, Citroën C3 e Citroën AirCross). Há um sério risco de que o novo crossover da empresa, o Citroën C4 Cactus, também não ofereça o equipamento.
Aços de alta e ultra alta resistência
Quando melhorou o Onix e o Prisma e pediu para o Latin NCAP testá-los novamente, a GM passou a usar aços de alta e ultra alta resistência na carroceria, especialmente nas colunas A e B, como contou a revista Quatro Rodas na época. Mas nunca mencionou a adoção dos metais especiais em seus releases. A Ford, por outro lado, fez questão de dizer que o Ka 2019 "recebeu reforços adicionais nos pilares e no teto, com ampliação da espessura das chapas em até 1,2 mm e a aplicação de aços especiais de alta resistência em áreas críticas para aumentar a rigidez torsional e o desempenho em colisões", no release oficial do modelo. Peças que provavelmente já existiam no Ka vendido na Europa e que só vieram para o nosso depois de o Ka tomar nota 0 no Latin NCAP. E esses são apenas os casos mais novos e mais evidentes de modelos que poderiam ter estes aços especiais, mas que não os usaram. Ainda deve haver muitos encobertos pela falta de crash-test de outros modelos, ainda não testados pelo Latin NCAP.
Vidros laminados laterais
Eles oferecem mais proteção em batidas, mais silêncio ao rodar, peso mais baixo (pela resistência adicional que oferecem) e conforto térmico, por filtrar radiação ultravioleta. O Fiat Idea foi o primeiro e um dos únicos modelos fabricados no Brasil a trazer vidros laterais laminados. Outro foi o Punto, mas mais nenhum carro veio com o recurso, mesmo que ofereça na Europa os vidros laterais "atérmicos", como são chamados, por exemplo, em Portugal. Pior: só os primeiros Idea e Punto traziam vidros laminados laterais. Com o tempo, a solução foi abandonada.
Airbags
Se os frontais se tornaram obrigatórios no Brasil desde 2014, os demais airbags são mero argumento de marketing, quando muito. Foi o caso do Ford EcoSport, que trazia de série 7 airbags em todas as suas versões na linha 2018, reestilizada. Na 2019, o modelo conservou apenas os airbags que a lei exige e deixou as 7 bolsas para apenas 3 de suas versões. Antes dele, isso também aconteceu com o Renault Clio. Primeiro carro de entrada a oferecer airbags de série no Brasil, o francês deixou de apresentá-las pouco tempo depois.
ESP
Item obrigatório na Europa, o ESP, ou controle de estabilidade, não é nem sequer opcional em muitos modelos vendidos no Brasil. O Toyota Corolla, antes de sua reestilização de março de 2017, se encaixava perfeitamente nessa descrição. Dizia a Toyota que ele não fazia falta. Para compensar, a empresa agora dota todos os seus veículos, inclusive o Etios, do sistema. Que, como mostramos recentemente, faz falta para qualquer automóvel. Mesmo os mais estáveis do mercado.
A pergunta que fica, diante das evidências, é o que você, como consumidor, pretende fazer diante do pacote que alimenta menos, do papel que fica faltando e do carro que não protege ou não oferece a mesma comodidade do vendido em países desenvolvidos. Nossa recomendação é deixar de prestar tanta atenção à embalagem e mais ao conteúdo. Tanto o do produto que você está acostumado a consumir quanto o dos concorrentes. Há quem dê mais valor a seu dinheiro.