Anos de eleições são naturalmente melindrosos, mas há exageros. Medo de ficar mal com o eleitorado é a única explicação para o que aconteceu aqui: depois de publicar em 8 de março uma resolução, repleta de erros de português, que estabelecia a obrigatoriedade de um curso de atualização para renovar a CNH, o Ministério das Cidades emitiu, em um sábado (17) uma nota dizendo que a revogaria. E nesta terça (20) confirmou a nota com a publicação da deliberação 168, que traz o seguinte texto:
"DELIBERAÇÃO Nº 168, DE 19 DE MARÇO DE 2018
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO, "ad referendum" do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), no uso das atribuições que lhe confere o art. 12, incisos I e X, da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o art. 6º, inciso XIII, do Regimento Interno do CONTRAN (Anexo da Resolução CONTRAN nº 446, de 25 de junho de 2013), e nos termos do disposto no Decreto nº 4.711, de 29 de maio de 2003, que trata da coordenação do Sistema Nacional de Trânsito (SNT);
Considerando o que consta no Processo Administrativo nº 80000.020710/2017-41, resolve:
Art. 1º Revogar a Resolução CONTRAN nº 726, de 6 de março de 2018, que regulamenta o processo de formação e habilitação de condutores de veículos automotores e elétricos, a realização dos exames, os cursos de formação, atualização, aperfeiçoamento, especializados, preventivo e de reciclagem, a expedição de documentos de habilitação e dá outras providências.
Art. 2º Esta Deliberação entra em vigor na data de sua publicação.
MAURÍCIO JOSÉ ALVES PEREIRA"
O governo até tentou evitar a repercussão negativa, mas de modo muito tímido. Neste texto, publicado pelo Ministério das Cidades na última sexta (16), ele afirmava que o tal curso de atualização seria gratuito. E repetia isso à exaustão, garantindo que não haveria cobrança nenhuma pelo processo, com uma sequência de perguntas e respostas, muitas delas redundantes. Mas aí chegava à parte da prova que seria exigida para comprovar o aproveitamento do curso. Que não poderia ser realizado à distância, pela internet, mas apenas "no órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal ou por entidade por ele credenciada para este fim". Isso na 17ª pergunta. Ao chegar à 24ª, que questionava "Quanto será cobrado pelo curso? E pela prova?", o texto não traz resposta nenhuma. Provavelmente porque o curso online poderia ser oferecido sem custos, mas a prova, presencial, com fiscais e consumo de outros recursos, seria passível de cobrança.
No sábado, Alexandre Baldy, o ministro das Cidades, resolveu revogar a resolução. Mas fica a pergunta: se a medida era necessária para melhorar a formação dos motoristas brasileiros, por que foi revogada? Se havia a necessidade de revisar os processos, por que, então, não se optou por uma medida intermediária, ou mais bem discutida com a sociedade, em vez de simplesmente jogar tudo para baixo do tapete e "não se fala mais nisso"? São perguntas para as quais provavelmente nunca teremos resposta, mas que dão a dimensão, primeiro, do nível de planejamento e ponderação com que as coisas são feitas no governo. Segundo, da prioridade que se dá à segurança viária em um dos países que mais matam no trânsito em todo o mundo.