Passam os anos e os SUVs e crossovers só ganham espaço. Fãs de carros esportivos choram e rasgam as vestes diante da diminuição do espaço dos modelos que sempre amaram, xingando os novos compradores por gostarem de veículos que não têm a mesma dinâmica que cupês e peruas. Fabricantes anunciam investimento pesado em novos crossovers ou tentam fazer modelos comuns passarem por SUVs (contando até com a ajuda do Inmetro, no Brasil, para isso). E as explicações de marketing já são mais do que conhecidas: os clientes querem carros com posição alta de dirigir, de aspecto esportivo, jovem etc. Mas será que isso é suficiente para explicar tanta preferência? Fomos investigar. Afinal, só moda não deveria ser suficiente para explicar essa nova tendência de mercado.
A ideia nasceu por conta de várias frentes. A primeira delas foram conversas que ressaltaram os aspectos negativos dos SUVs. Afinal de contas, eles são maiores e mais pesados que carros comuns, o que os torna mais difíceis de estacionar e mais beberrões. A maior área frontal e a aerodinâmica piorada também influenciam no consumo (para mais). Apesar de terem peças superdimensionadas, mais difíceis de quebrar, elas são mais caras que as de hatchbacks, sedãs e companhia. Inclusive as de consumo frequente, como pneus. Também são mais sujeitos a capotamentos pela maior altura em relação ao solo. São muitos aspectos negativos para um tipo de automóvel que só faz crescer em participação. O que explicaria?
Sinal dos tempos
Comentários de leitores nos deram a pista. Eles iam além do óbvio, que é enfrentar melhor o asfalto ridículo presente na maior parte das ruas e estradas brasileiras, ainda que muita gente passe em buracos e valetas com SUVs como se estivesse em esportivos... Muitos rebatiam as críticas aos modelos com argumentos recorrentes. Eles se diziam felizes por terem SUVs e crossovers porque era mais fácil carregar os filhos e instalar cadeiras infantis neles. Especialmente se os pais fossem pessoas altas, o que é fato.
Ou porque tinham idosos na família e era mais fácil transportá-los em veículos com tetos altos e assentos em que bastava girar as pernas para entrar. Até alguns idosos confessaram dirigir melhor SUVs. Além disso, o grande argumento contrário a estes veículo reside em sua dinâmica. Só que, em cidades com velocidade máxima de 50 km/h, como São Paulo, e estradas onde não se pode passar legalmente de 120 km/h, a desvantagem dos SUVs em relação aos esportivos não é tão gritante. Estes pareciam ser os pilares para a popularização dos SUVs: limites mais severos de velocidade, com mais controle (radares) e uma população mais velha e mais alta.
A questão da altura já foi apontada por estudos. De 1914 a 2016, os brasileiros cresceram 8,6 cm, segundo um estudo publicado na revista científica eLife e reportado pela BBC. Segundo a Scientific American, a humanidade ficou 10 cm mais alta, em média, nos últimos 150 anos, em boa medida por uma nutrição melhor e mais completa. Os próprios automóveis ficaram maiores ao longo das décadas. O VW Golf de primeira geração, de 1974, tinha 3,71 m de comprimento e entre-eixos de 2,40 m. O atual tem 4,26 m e entre-eixos de 2,63 m. Outro bom exemplo é o Corolla. Nascido em 1966, ele tinha, na versão sedã, 3,85 m de comprimento e 2,29 m de entre-eixos. O vendido hoje em dia tem 4,62 m de comprimento e 2,70 m de entre-eixos. Só que crescer em comprimento não foi suficiente: os veículos tiveram também de ficar mais altos. E é aí que os SUVs se encaixam melhor.
O envelhecimento da população também é um fenômeno mundial, que preocupa a ONU. Se nos focarmos em nosso quintal, veremos que, em 1900, a expectativa de vida do brasileiro era, acredite se quiser, de 33,7 anos. Em 2014, ela chegou a 75,4 anos, segundo o IBGE. Uma diferença de mais de 40 anos em pouco mais de um século. Existe a expectativa de que ela chegue a mais de 80 até 2030, sendo que a população acima dos 65 anos cresceu 73% de 2001 a 2017. E o envelhecimento se dá com mais qualidade de vida e avanços na medicina. Muitos idosos ainda dirigem normalmente, algo que para muitos deles está intimamente associado à própria independência. Quanto mais tranquilo um veículo for de dirigir, com acesso fácil à cabine e interior amplo, melhor. Ainda mais se esse veículo estiver associado a um estilo de vida jovem e ativo. Como uma fonte da juventude automotiva, quem dirige um crossover ou SUV tende a ser visto como alguém mais moço do que efetivamente é.
Tudo isso somado a vaidade
Fomos a campo encontrar especialistas e pesquisas que pudessem corroborar a tese. Pena que não há muitos pesquisadores de comportamento de compra de automóveis à disposição. Mais do que isso, não há linhas de pesquisa no sentido de entender por que os SUVs se tornaram tão populares. Para a maioria, basta a explicação de que eles são os modelos desejados do momento e fim de papo. "Funcionalidade certamente desempenha um papel na escolha dos SUVs. Afinal, você ainda precisa de um carro para levar as crianças para cima e para baixo, mas há três aspectos que as pessoas levam em conta para comprar um veículo: valores de família, ou seja, um automóvel seguro e confortável para os entes queridos, atributos emocionais e como os outros o veem enquanto você dirige aquele modelo específico", diz John Jullens, diretor da Strategy& (antiga Booz & Company), equipe de consultoria de estratégia da PwC (Price Waterhouse Coopers).
Jullens tem um bom reforço para a questão nada prática da vaidade nas decisões de compra. "SUVs não eram vistos como veículos legais antes do Ford Explorer Eddie Bauer 1990. Eles eram vistos como automóveis de trabalho chatos até que aquele em específico representou um estilo de vida mais ativo e descolado. Até para pessoas que não gostam de atividades fora de estrada, mas que querem ser vistas como pessoas modernas. Aqui nos EUA, sedãs médio-grandes, como o Toyota Camry ou o Ford Taurus, são vistos como carros chatos, de gente velha. E existem veículos práticos, como minivans, mas você iria a um jantar de gala com uma? Deixar um SUV com o manobrista é tranquilo. E ele traz todas as funcionalidades que você demandaria de um típico carro familiar." Vale mencionar também o modelo que é considerado o precursor de todos os SUVs, o Land Rover Range Rover, de 1970.
Além dos aspectos práticos que o SUV oferece, portanto, há também um componente forte de aceitação social. Que, no Brasil, acaba acarrentando outro problema. "É uma falta de opção antes de tudo... Qual veículo possui comportamento semelhante a um SUV com espaço para bagagens? Uma perua ou um MPV (minivan). Agora me diga: quantas peruas existem no mercado? Poucas. Só 21 versões, muitas delas vendidas só sob encomenda. E os MPVs são veículos específicos, também com apenas 4 versões disponíveis hoje no Brasil. Quanto aos SUVs, temos 329 versões!", diz Milad Kalume Neto, gerente de novos negócios da JATO do Brasil Informações Automotivas. "Antes de qualquer elemento, passamos por um movimento de mercado que adotou os SUVs como veículos da moda, da família e que trazem um valor agregado para a montadora maior que as peruas (SUVs custam mais caro que as peruas, não podemos nos esquecer disto!)."
Frigir dos ovos
Resumindo, além dos aspectos práticos que ajudam a tornar os SUVs mais populares, como acesso mais fácil para idosos, facilidade de instalação de cadeirinhas de crianças e das próprias em seus devidos lugares e de uma restrição cada vez maior ao uso dos automóveis, temos o fator vaidade. Que torna quem os dirige "mais jovem e descolado" do que os que optam por outros tipos de carroceria, além de todos os aspectos práticos que já citamos. Pagando um bocado a mais por elas não só na aquisição, mas também na manutenção. É o preço da fama...