Em sua primeira entrevista depois de ser preso, o ex-CEO da Nissan e ex-presidente do conselho de administração da Nissan Carlos Ghosn disse com todas as letras que sua prisão faz parte de um "complô e de uma traição" contra a integração das empresas sob uma mesma holding. Na entrevista, concedida à Nikkei Asian Review, o executivo praticamente culpa o atual CEO da Nissan, Hiroto Saikawa, por toda a situação.
Segundo Ghosn, havia um plano para integrar Nissan, Renault e Mitsubishi sob uma mesma holding, com independência administrativa, mas uma racionalização da organização, chamada hoje apenas de Aliança. Em termos jurídicos, porém, as empresas são independentes, o que deve gerar uma série de complicações administrativas, especialmente nas negociações com fornecedores. Em vez de lidar com apenas uma empresa, eles precisam lidar com três, ainda que forneçam exatamente as mesmas peças para todas. A ideia, segundo Ghosn, era torná-las mais integradas, mas com a mesma liberdade administrativa que sua administração concedia.
O plano de integração entre as empresas foi discutido entre Ghosn e Saikawa. O executivo brasileiro teria tentado incluir o CEO da Mitsubishi, Osamu Masuko, mas Saikawa teria recusado a hipótese e exigido uma reunião apenas entre ele e Ghosn. A reunião, em setembro, teria sido o estopim da prisão, que ocorreu em novembro. Segundo aliados de Ghosn, executivos da Nissan teriam ficado receio de que Ghosn concentrasse mais poderes na administração, o que os teria levado a colaborar com os promotores de Tóquio. O que é o contrário, diga-se de passagem: Ghosn deixou o cargo de CEO da Nissan para Saikawa justamente para se dedicar à integração da Mitsubishi à Aliança. Acusado de ter um estilo ditatorial, Ghosn respondeu: "As pessoas traduzidam liderança forte como ditatorial para distorcer a realidade e se livrar de mim".
O executivo brasileiro aproveitou os 20 minutos de entrevista para rebater todas as acusações que lhe foram feitas. Quanto à compra de imóveis no Rio e no Líbano, Ghosn disse que o departamento jurídico da Nissan aprovou o negócio: "Hari Nada cuidou de tudo", disse ele, referindo-se a um executivo daquele departamento. Ghosn justificou a necessidade dos imóveis. "Eu precisava de um lugar seguro onde pusesse trabalhar e receber as pessoas tanto no Brasil quanto no Líbano."
Quanto ao pagamento de US$ 14,7 milhões pelo empresário saudita Khaled al-Juffali, que teriam sido usados para pagar prejuízos pessoais de Ghosn, o ex-CEO da Renault negou as acusações e disse que o pagamento "foi assinado por quatro executivos". O dinheiro era oriundo de um caixa que o CEO podia decidir quase livremente como gastar, mas "não era uma caixa preta", nas palavras de Ghosn.
Outra acusação, a de que ele teria recebido US$ 8,9 milhões da Nissan-Mitsubishi B.V., uma joint-venture holandesa entre as duas fabricantes japonesas, Ghosn disse se tratar de uma empresa para explorar sinergias, não para executar pagamentos, e que outros entendimentos seriam uma "distorção da realidade". "Fiz algo inapropriado? Não sou advogado, não conheço a interpretação destes fatos. Eles são conhecidos por todo mundo. Por que não me alertaram?", perguntou Ghosn, que disse não oferecer risco nenhum de fuga. "Não vou fugir. Vou me defender. Todas as provas estão com a Nissan, e a Nissan proíbe todos os funcionários de falar comigo."
Ainda na entrevista, Ghosn disse que não pode especular sobre o futuro da Aliança, mas disse que o governo francês, maior acionista da Renault, havia pedido a ele que tornasse a relação entre as duas fabricantes "irreversível". Foi, aparentemente, essa a missão que Ghosn tentou cumprir. E que resultou em sua prisão.